Oito meses após centenas de migrantes morrerem em um naufrágio no Mediterrâneo, investigadores afirmaram nesta quarta-feira que a agência de fronteiras da União Europeia não possui capacidade para evitar futuros desastres marítimos.
A investigação realizada por um órgão de controle da UE sobre a agência de fronteiras, Frontex, foi motivada pelas mortes de mais de 600 homens, mulheres e crianças que se afogaram na costa da Grécia em junho do ano passado, diante dos olhos de dezenas de autoridades e tripulações da guarda costeira.
“Frontex inclui ‘guarda costeira’ em seu nome, mas seu mandato e missão atuais claramente deixam a desejar”, afirmou a chefe do órgão de controle da UE, Emily O’Reilly, na quarta-feira. “Se a Frontex tem o dever de ajudar a salvar vidas no mar, mas as ferramentas para isso estão faltando, então isso é claramente uma questão para os legisladores da UE.”
Após o naufrágio do Adriana, um barco de pesca superlotado, tanto a Frontex quanto a Guarda Costeira Helênica foram criticadas por não ajudarem os passageiros do navio, que estava afundando lentamente por horas enquanto os migrantes aterrorizados a bordo pediam socorro.
A escala de perdas – foi o naufrágio mais mortal no Mediterrâneo em anos – motivou várias investigações, incluindo uma realizada pelo escritório do Ombudsman Europeu, que divulgou seu relatório na quarta-feira.
No relatório, os investigadores afirmaram que, com os Estados membros falhando em agir para proteger os migrantes, mais autoridade legislativa era necessária para que as missões de busca e resgate fossem conduzidas em nível da UE.
Sob o sistema atual, a Frontex precisa coordenar de perto com as autoridades marítimas locais e obter permissão antes de agir. O relatório também aconselhou a Frontex a reconsiderar sua presença em países onde são registrados abusos crônicos dos direitos dos migrantes.
Os investigadores também afirmaram que a agência carece de regras internas para responder a naufrágios, e que não há clareza suficiente sobre a divisão de tarefas entre a agência e as autoridades nacionais.
A Frontex possui uma missão delicada. É encarregada tanto de ajudar a guardar as fronteiras externas da União Europeia, quanto de proteger os direitos dos migrantes que tentam cruzá-las.
A agência envia guardas de toda a Europa e fornece helicópteros, barcos, drones e outros equipamentos para países fronteiriços como a Grécia. Mas também foi acusada de encobrir e até participar de violações de direitos humanos.
Seu ex-diretor executivo, Fabrice Leggeri, renunciou em 2022 por acusações de assédio, má gestão e abusos de direitos, e a agência prometeu reformas sob nova liderança. Porém, os investigadores afirmaram nesta quarta-feira que os recém-nomeados monitores de direitos humanos não estavam suficientemente envolvidos no processo de tomada de decisão da Frontex.
A Europa endureceu significativamente suas políticas de migração após a chegada de mais de um milhão de refugiados, principalmente da Síria, de 2015 a 2016, o que alimentou o apoio a partidos políticos de extrema-direita.
A última operação de busca e resgate financiada pela UE no Mediterrâneo terminou em 2014. Críticos argumentaram que resgatar proativamente navios de migrantes no mar serve como um incentivo para que tomem rotas perigosas para chegar à Europa, e que também encoraja os contrabandistas a arriscar as vidas de seus passageiros.
Desde então, essa tarefa tem ficado a cargo de organizações de caridade, que têm sido processadas em vários países da UE, incluindo Grécia e Itália, por suas atividades de resgate no mar.
A Guarda Costeira Grega afirmou que os contrabandistas no Adriana recusaram assistência e que o pânico a bordo fez com que ele virasse. Vários sobreviventes testemunharam que ele afundou quando a Guarda Costeira tentou rebocá-lo, uma alegação que as autoridades gregas negaram. Eventualmente, uma embarcação da Guarda Costeira Grega, com a ajuda de um superiate na área, resgatou cerca de 100 pessoas.
Enquanto o Adriana afundava, a Frontex fez quatro ofertas separadas para ajudar as autoridades gregas, fornecendo vigilância aérea, disse o observatório da UE na quarta-feira, mas não recebeu resposta e não pôde ir para a localização do navio sem permissão da Grécia.
A investigação concluiu que a Frontex esteve no local apenas duas vezes, uma vez de avião duas horas depois que as autoridades italianas emitiram o alerta sobre o Adriana, e depois com um drone após o barco já ter afundado.
Autoridades gregas têm negado consistentemente as alegações de violação dos direitos dos migrantes, afirmando que sua política de migração é “dura, mas justa”.
A Sra. O’Reilly pediu às instituições da UE para tirarem lições do naufrágio.
“A União Europeia projeta sua identidade através do prisma de seu compromisso com o Estado de Direito e os direitos fundamentais”, disse ela. “Após a tragédia do Adriana, ela deve aproveitar a oportunidade para reforçar essa identidade por meio de reflexões e ações que, na maior medida possível, previnam que uma tragédia semelhante aconteça novamente.”
Comentários