A crise de segurança no Haiti está chegando a um ponto crítico. Uma aliança de gangues armadas está pressionando o primeiro-ministro do país a renunciar, colocando os Estados Unidos no meio de uma luta pelo poder que está assolando o país. Com o objetivo de amenizar o impasse, a administração Biden está aumentando a pressão sobre o primeiro-ministro Ariel Henry para permitir a transferência de poder.

Os Estados Unidos não estão ativamente “pedindo ou pressionando pela renúncia dele”, disse Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado. Mas, ele acrescentou, “estamos instando-o a acelerar a transição para uma estrutura de governança empoderada e inclusiva.”

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O impasse aponta para um ponto de inflexão importante no Haiti, que tem sido assolado por crises quase perpétuas nos últimos anos, à medida que as tensões aumentam no país de 11,5 milhões de pessoas devido ao aumento da instabilidade, escassez de alimentos e falta de progresso em direção a eleições democráticas e ao restabelecimento de um senso de segurança.

O impasse surgiu depois que o Sr. Henry, que vinha sendo apoiado pelos Estados Unidos desde que se tornou líder de facto do Haiti após o assassinato em 2021 do presidente Jovenel Moïse, não conseguiu retornar ao Haiti na terça-feira devido a dúvidas sobre a segurança ao pousar no aeroporto da capital, Porto Príncipe, que tem sido alvo de ataques de gangues nos últimos dias.

O Sr. Henry, após pousar em Porto Rico na terça-feira, não fez nenhuma declaração pública sobre sua localização ou planos de retornar ao Haiti. Enquanto cenas de saques e desordem deixam muitas pessoas em Porto Príncipe nervosas, líderes de gangues têm se apressado para preencher um vácuo de poder.

“Se Ariel Henry não renunciar, se a comunidade internacional continuar apoiando-o, estamos caminhando diretamente para uma guerra civil”, disse Jimmy Chérizier, um dos principais líderes de gangue e ex-policial conhecido mais amplamente como Barbecue, disse a repórteres em Porto Príncipe na terça-feira.

O Sr. Chérizier e outros líderes de gangues se envolveram em uma onda de violência ao redor de Porto Príncipe na última semana, entrando em confronto com a polícia e atacando o aeroporto, agências bancárias, prédios do governo e prisões, incluindo a maior penitenciária do país, permitindo que milhares de detentos escapassem.

Enquanto diferentes gangues parecem estar por trás da última onde de distúrbios, especialistas em segurança alertam que as alianças entre as gangues tendem a ser fluidas e sujeitas a mudanças. Não está claro se os líderes de gangues estão pressionando por um papel específico na governança do país.

Tiros puderam ser ouvidos em diferentes partes de Porto Príncipe na madrugada de quarta-feira, apesar de um toque de recolher que visava manter as pessoas fora das ruas fora do horário comercial normal. Pelo menos um prédio de tribunal foi parcialmente incendiado na quarta-feira, e o aeroporto permaneceu fechado.

A situação de segurança deteriorada limita as opções disponíveis para os Estados Unidos, que tradicionalmente exercem grande influência na política do Haiti. A administração Biden deixou claro que não há planos de enviar soldados dos EUA ao Haiti para impor a ordem.

“O que pedimos ao primeiro-ministro haitiano é avançar com um processo político que leve ao estabelecimento de um conselho presidencial transitório que conduza a eleições”, disse Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, a repórteres na quarta-feira. “E achamos que é urgente – que é urgente que ele avance nessa direção e inicie o processo de trazer a normalidade de volta ao povo do Haiti.”

Enquanto membros da oposição do Haiti criticaram a administração Biden por continuar apoiando o Sr. Henry, autoridades e analistas dos EUA disseram que o primeiro-ministro é o único líder com alguma legitimidade.

“Henry está lá para nos levar a um processo eleitoral”, disse Keith Mines, vice-presidente do programa da América Latina no Instituto da Paz dos EUA. “Ele está na posição por um motivo, não porque seja particularmente popular, mas porque tem um fio de constitucionalidade que ninguém mais tem.”

Um funcionário do governo dos EUA disse que a Caricom, uma união de 15 países caribenhos, tem sido a linha de frente nas demandas para que o primeiro-ministro do Haiti renuncie imediatamente.

Falando em sigilo para discutir questões sensíveis, o funcionário acrescentou que os Estados Unidos não têm outro parceiro haitiano que serviria como alternativa ao Sr. Henry, e disse que exigir a renúncia imediata do primeiro-ministro só criaria mais caos em um país à beira do colapso.

“Agora eles estão presos com algo ainda mais indesejável, sem saída, sem alternativa para a crise”, disse Robert Fatton, especialista em Haiti da Universidade da Virgínia, referindo-se às opções da administração Biden em relação ao Haiti. “As gangues têm uma superioridade avassaladora agora.”

A violência desencadeada pelas gangues está piorando uma crise humanitária já aguda no Haiti. Cerca de 15.000 pessoas foram forçadas a deixar suas casas nos últimos dias devido à violência crescente, incluindo muitos que já estavam deslocados, disse Martin Griffiths, Coordenador de Ajuda de Emergência das Nações Unidas. Aproximadamente 313.000 pessoas no Haiti estão atualmente deslocadas, afirmou a ONU.

A fome generalizada é outra preocupação urgente, com cerca de 1,4 milhão de pessoas no país enfrentando níveis de fome de emergência, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos.

Em geral, “quase metade da população precisa de ajuda humanitária”, disse o Sr. Griffiths, que também é o Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas para Assuntos Humanitários. “A crise no Haiti está se deteriorando a uma velocidade alarmante.”

Um fator surpresa na crise é Guy Philippe, um ex-comandante de polícia que ganhou destaque internacionalmente ao liderar um golpe em 2004 que derrubou o presidente Jean-Bertrand Aristide. Embora o Sr. Philippe tenha desfrutado de apoio quase heroico em algumas partes do Haiti, ele foi preso e levado sob custódia dos EUA em 2017.

Ele foi condenado a nove anos de prisão por lavagem de dinheiro. Depois de cumprir parte de sua sentença, os Estados Unidos libertaram e deportaram o Sr. Philippe para o Haiti em novembro, uma ação que especialistas compararam a jogar gasolina em fogo.

O Sr. Philippe rapidamente se empenhou em viajar pelo país tentando angariar apoio para o que chamou de “revolução”. Ele se aliou a um grupo ambientalista dissidente chamado Brigada para a Segurança de Áreas Protegidas (ou B-SAP) e criticou o Sr. Henry, a quem acusou de participar do assassinato do Sr. Moïse e conspirar com gangues.

Na quarta-feira, o Sr. Philippe disse ao The New York Times que estava ansioso para ajudar o Haiti a estabelecer segurança e o estado de direito. “Estou pronto para fazer parte de qualquer conselho ou equipe que realmente queira trabalhar pelo bem-estar do povo haitiano”, disse ele.

O crescente caos no Haiti também está levantando dúvidas sobre um plano para o Quênia liderar uma missão de segurança ao Haiti, que a administração Biden tem defendido ao longo do último ano. O Sr. Henry viajou para Nairóbi na semana passada e na sexta-feira assinou o acordo com as autoridades quenianas.

Segundo o plano, o Quênia forneceria pelo menos 1.000 policiais para a missão, que os Estados Unidos se comprometeram a apoiar com US$ 200 milhões e o Canadá com quase US$ 60 milhões. Outros países, incluindo Benin, Chade, Bangladesh e Barbados, também se comprometeram a enviar pessoal como parte da missão.

“Aquele acordo foi assinado por alguém sem legitimidade”, disse Monique Clesca, ativista da democracia haitiana e ex-oficial da ONU, enfatizando que o parlamento do Haiti, que não está funcionando atualmente, e possivelmente seu futuro líder, precisariam aprovar o acordo para que a missão avançasse.

Ainda assim, outros no Haiti argumentam que o plano queniano ainda está sobre a mesa. “É um fato consumado”, disse Claude Joseph, ex-primeiro-ministro e líder de um dos partidos políticos em discussões destinadas a substituir o Sr. Henry. “Precisamos avançar com o plano. Precisamos disso, o mais rápido possível. Precisamos de uma polícia forte com apoio internacional.”

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