“Os Estados Unidos são o principal destino das postos e missões militares brasileiras no exterior”, afirma estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Segundo a análise do Ipea, para o período de 2020 a 2023, “a alta frequência de capacitações e cooperações militares nos Estados Unidos (EUA) indica um desalinhamento com os objetivos gerais apresentados na PND [Política Nacional de Defesa] e na END [Estratégia Nacional de Defesa], uma vez que concentra as influências políticas, estratégicas e doutrinárias predominantemente em um único país.”

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De acordo com o texto para discussão O Setor de Defesa Brasileiro no Exterior: Desafios, Oportunidades e Subsídios para a Revisão dos Documentos de Defesa, a preferência representa um resquício do alinhamento do Brasil com os Estados Unidos durante a Guerra Fria (1947-1991).

“A presença dos EUA tem sido significativa historicamente desde o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), assinado em 1947, a criação da OEA [Organização dos Estados Americanos] em 1948, o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos de 1952 – denunciado [extinto] em 1977 –, as Comissões de Aquisições do Brasil em Washington, e a expansão dos mecanismos institucionais regionais liderados pelos EUA na área de defesa, como a Conferência de Ministros da Defesa das Américas criada em 1995, o William J. Perry Center for Hemispheric Studies criado em 1997, e a Junta Interamericana de Defesa, criada em 1942 antes da OEA.”

Cenário multipolar

A predileção pelos EUA nas cooperações militares se torna mais evidente quando considerado o cenário internacional multipolar atual. “Diante do aumento da competição entre grandes potências, com crescente influência da China, Índia e Rússia, um vínculo excessivo e assimétrico pode não ser tão produtivo quanto buscar a diversificação de parcerias, característica tradicional da política externa brasileira.”

O estudo foi elaborado com base em registros publicados no Diário Oficial da União, informações coletadas na Biblioteca da Presidência da República e na base de dados “Concórdia”, acervo de atos internacionais do Brasil mantido pelo Ministério das Relações Exteriores. A análise contempla mais de uma dezena de indicadores sobre a atuação internacional do setor de defesa.

De acordo com os dados, os Estados Unidos são o país onde os militares brasileiros mais realizam cursos de pós-graduação: 27 estudantes nos três anos analisados – três vezes mais do que o Reino Unido, que está em segundo lugar. No mesmo período, 134 militares brasileiros frequentaram algum curso nos EUA, dos quais 97 eram oficiais superiores com patente a partir de major.

Conselho de Segurança

A concentração das cooperações militares nos EUA prejudica os interesses da política externa do Brasil, destaca a publicação. “Ao concentrar em um único parceiro, como observado nesse período, perdemos a oportunidade de obter conhecimento sobre países importantes no cenário internacional, que participam de espaços de decisão multilaterais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas”, descreve o economista Pedro Silva Barros, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, em nota publicada pelo instituto. Barros tem formação na Escola Superior de Defesa (ligada ao Ministério da Defesa) e escreveu o texto para discussão em colaboração com os pesquisadores Paula Macedo Barros e Raphael Camargo Lima.

Publicado no final de fevereiro, o texto “visa contribuir para o debate público”, afirma Pedro Barros à Agência Brasil. Até o final deste semestre, o Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional a nova Política de Defesa Nacional, a nova Estratégia Nacional de Defesa e o novo Livro Branco de Defesa Nacional – um documento público sobre a modernização das Forças Armadas, o suporte econômico à defesa nacional, a participação em operações de paz e ajuda humanitária, entre outras informações públicas que o Brasil apresenta ao mundo sobre sua visão, interesses e política de defesa.

Após as conclusões, o estudo apresenta 14 recomendações políticas para a atuação internacional do setor de defesa, incluindo priorizar o “entorno estratégico brasileiro”, que abrange a América do Sul, o Atlântico Sul, os países da costa ocidental africana e a Antártica; reativar a Escola Sul-Americana de Defesa sob novas bases; e propor mecanismos de colaboração em ensino e capacitação de defesa em outras áreas estratégicas para o Brasil, como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e os países banhados pelo Atlântico Sul.

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