A Petrobras divulgou, na semana passada, o balanço financeiro da empresa em 2023, registrando um lucro líquido de R$124,6 bilhões, o segundo maior da história. Apesar disso, as ações da petrolífera caíram cerca de 10% na sexta-feira (8).
Analistas da imprensa especializada em mercado financeiro atribuíram a queda à decisão da empresa de reter os dividendos extraordinários, avaliados em R$43,9 bilhões, adiando o pagamento desses recursos para o futuro. Os dividendos são a parte do lucro que é distribuída aos acionistas da empresa.
Para compreender esse movimento, a Agência Brasil consultou três especialistas em economia e mercado de petróleo. Eles avaliaram que a reação do mercado financeiro à retenção dos dividendos foi uma resposta às mudanças na gestão da Petrobras em relação ao governo anterior, que priorizava o pagamento aos acionistas.
O economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, considerou que a reação negativa do mercado é uma estratégia especulativa para pressionar a empresa a pagar os dividendos imediatamente.
“Existe uma pressão para que a Petrobras pague ainda mais dividendos. Mesmo sendo a maior pagadora de dividendos do Brasil, o mercado continuará querendo que a empresa pague mais, mesmo que isso prejudique o caixa da empresa”, ressaltou.
“Uma chantagem de desvalorização da empresa não parece ter fundamentos reais. Primeiro, porque a Petrobras é a segunda maior geradora de caixa entre as petrolíferas do Ocidente, e também porque é a maior pagadora de dividendos do Brasil”, completou Dantas.
O especialista também destacou que a empresa brasileira ficou atrás apenas da Exxon, petroleira dos EUA, em volume de fluxo de caixa livre em 2023, que é o dinheiro disponível para a companhia.
Para o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos, a reação do mercado reflete o descontentamento de alguns investidores. “Principalmente aqueles acionistas com interesses de curto prazo, insatisfeitos com a proposta de distribuição dos dividendos”, destacou.
Mahatma defendeu que esse descontentamento é exagerado, uma vez que os R$43 bilhões retidos devem compor uma reserva utilizada para remunerar os acionistas.
“A Petrobras continua sendo uma empresa resiliente, lucrativa, com solidez financeira e pagando dividendos substanciais, o que, de certa forma, não condiz com o descontentamento desses investidores de mercado que enxergam a Petrobras apenas como uma geradora de lucro e distribuidora de dividendos a curto prazo, em vez de pensar em um plano sustentável de desenvolvimento energético a longo prazo para o país”, comentou.
Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a queda nas ações é um movimento pontual e circunstancial.
“A tendência é que, à medida que a Petrobras se consolide como empresa de energia orientada para a transição verde, essa estratégia leve os agentes de mercado a alterarem sua visão, mudando a forma como esperam que o valor da empresa seja tratado no preço das ações. E então ela voltará a subir”, ressaltou.
Roncaglia argumentou que a reação do mercado está relacionada ao fato de que a empresa agora está atuando de acordo com sua natureza mista, buscando objetivos privados, mas também atendendo aos interesses públicos.
Justificativa
A diretoria da empresa, liderada pelo presidente Jean Paul Patres, enviou ao Conselho de Administração proposta para pagar 50% dos dividendos extraordinários e reter os outros 50%.
No entanto, o Conselho decidiu propor a retenção total dos dividendos extraordinários em um fundo de reserva que, de acordo com o estatuto da companhia, deve ser usado para remunerar os acionistas ou cobrir possíveis prejuízos. Essa proposta ainda precisa ser aprovada pela Assembleia Geral Ordinária, que reunirá os acionistas da Petrobras no próximo dia 25 de abril.
O diretor financeiro e de relações com investidores da Petrobras, Sérgio Caetano Leite, justificou que o Conselho optou por reter todo o valor para uma análise mais aprofundada, levando em conta os maiores investimentos previstos.
“Considerando os anos de forte investimento, 2024 e 2025, o conselho requer uma análise mais detalhada. Ele está cumprindo seu papel, e possivelmente até seu dever, ao solicitar essas análises. Elas serão feitas e apresentadas ao Conselho”, afirmou Sérgio, reconhecendo que a decisão “desaponta alguns investidores, mas, na prática, é uma decisão da alta administração que a diretoria seguirá”.
Colchão de liquidez
A administração da empresa argumenta que, não havendo previsão de prejuízos a curto ou médio prazo, a reserva para onde os R$43 bilhões dos dividendos extraordinários serão destinados será utilizada para remunerar os acionistas.
Embora não possa utilizar esses R$43 bilhões para outras finalidades, o professor André Roncaglia ressaltou que a retenção desse dinheiro tem o efeito positivo de aumentar o “colchão de liquidez” da empresa, ou seja, o dinheiro disponível para a Petrobras, reduzindo as incertezas do mercado.
Dividendos e investimentos
A Petrobras foi a empresa que mais distribuiu dividendos aos acionistas em 2023 em comparação com outras cinco grandes companhias do setor: Chevron, BP, Total, Shell e Exxon Mobil, conforme levantamento da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET). Enquanto a Petrobras pagou US$20,28 bilhões, a segunda colocada, Exxon, pagou US$14,95 bilhões em dividendos.
“Em 2023, a Petrobras, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido”, afirmou o presidente da AEPET, Felipe Coutinho.
Em 2023, a Petrobras investiu US$12,7 bilhões, um aumento de 29% em relação ao ano anterior. Apesar do aumento nos investimentos, o economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, avaliou que eles ainda são considerados baixos diante dos planos da empresa.
“Há projetos em andamento, como refinarias, energia eólica, novas áreas exploratórias, novos produtos relacionados à transição energética. Se a Petrobras não controlar o pagamento dos dividendos, terá que recorrer a empréstimos para realizar esses investimentos”, pontuou o economista.
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