Os ucranianos reagiram com uma mistura de preocupação e zombaria à narrativa divulgada pelo Kremlin e pela mídia estatal russa de que a Ucrânia estava por trás do ataque terrorista de sexta-feira a uma sala de concertos em Moscou, uma alegação feita apesar da reivindicação de responsabilidade do Estado Islâmico.

Para alguns ucranianos – autoridades e cidadãos – as acusações eram típicas do manual do Kremlin, culpando a Ucrânia para justificar a violência de Moscou contra o país. Isso inclui a falsa alegação de que o presidente Vladimir V. Putin, da Rússia, usou para iniciar a invasão em grande escala da Ucrânia, declarando que o país era liderado por líderes neonazistas e que o objetivo da guerra era desnazificar o país.

Patrocinado

“É típico da Rússia”, disse Iryna Blakyta, 24, residente de Kiev, na segunda-feira, acrescentando que ela esperava que o Sr. Putin usasse o ataque à sala de concertos para mobilizar os russos após mais de dois anos de guerra. “Ele precisa mobilizar as pessoas”, disse a Sra. Blakyta; “ele precisa mostrar quem é o inimigo”.

As preocupações sobre os próximos passos de Putin se intensificaram na segunda-feira de manhã em Kiev, que foi alvo de dois mísseis balísticos à luz do dia, o terceiro ataque aéreo contra a capital ucraniana em cinco dias. Um prédio universitário em uma parte central da cidade foi reduzido a escombros, e as autoridades disseram que pelo menos 10 pessoas ficaram feridas.

Os Estados Unidos confirmaram a reivindicação de responsabilidade do ISIS. E, na noite de segunda-feira, o Sr. Putin reconheceu que “islamistas radicais” haviam executado o ataque, mas também disse que a Ucrânia, apoiada pelo Ocidente, poderia ter planejado o ataque. A Ucrânia negou qualquer envolvimento.

Os oficiais ucranianos disseram que as insinuações de Putin de que a Ucrânia estava envolvida estavam de acordo com a prática de longa data do Kremlin de semear a desinformação para encobrir as falhas de seus serviços de segurança.

“Putin é um mentiroso patológico”, escreveu Dmytro Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, no domingo, listando uma série de bombardeios, assassinatos e ações agressivas da Rússia que, segundo ele, foram todos envoltos em mentiras, incluindo a ocupação ilegal da Crimeia em 2014 pela Rússia e o abate de um avião sobre a Ucrânia por combatentes apoiados pelo Kremlin no mesmo ano.

“Não permita que Putin e seus capangas o enganem”, disse Kuleba.

Putin anteriormente afirmou em uma declaração sobre o ataque de sexta-feira, que matou pelo menos 139 pessoas, que os suspeitos “estavam indo em direção à Ucrânia” após atacar a sala de concertos e que “de acordo com informações preliminares, uma janela estava preparada para eles no lado ucraniano para cruzar a fronteira do estado”. Ele manteve essa afirmação na segunda-feira.

Mas Andriy Yusov, representante da agência ucraniana de inteligência militar, ridicularizou essa alegação no fim de semana, dizendo que a fronteira ucraniano-russa é uma zona de combate ativa, fortemente minada e guardada por ambos os lados – tornando qualquer travessia extremamente complicada e perigosa.

Ele e outras autoridades apontaram para o uso anterior da Rússia de ataques terroristas para perseguir objetivos políticos, incluindo Putin usando um cerco mortífero a uma escola em 2004 para consolidar o controle político sobre as regiões do país, abolindo eleições diretas de governadores até sua restauração em 2012.

Alguns funcionários e analistas ucranianos disseram que as tentativas da Rússia de atribuir a culpa à Ucrânia podem ser usadas para preparar o terreno para expandir o recrutamento. A Rússia capturou várias cidades e aldeias na Ucrânia nos últimos meses, mas a um custo humano considerável, tornando crucial o reabastecimento de suas forças.

“Seu único objetivo é motivar mais russos a morrerem em sua guerra insensata e criminosa contra a Ucrânia”, disse Kuleba.

Mykola Davidiuk, analista político ucraniano, disse que Putin queria retratar a Ucrânia como “um inimigo cruel” ligado ao terrorismo para gerar “atitudes agressivas em relação à Ucrânia entre o povo russo”.

Mas ele acrescentou que os ucranianos “não se importam” com essa narrativa, pois há muito tempo estão acostumados à retratação falsa do conflito pelo Kremlin.

Por enquanto, as pessoas na Ucrânia ficaram se perguntando se Putin usaria o ataque terrorista para justificar mais ataques mortais contra a Ucrânia. “Ele precisa constantemente criar motivos, manter as coisas sob controle”, disse a Sra. Blakyta.

Na segunda-feira, por volta das 10h30, os moradores de Kiev foram surpreendidos por uma série de explosões altas que vieram menos de um minuto depois que os alertas de ataque aéreo soaram pela capital, fazendo as pessoas correrem pelas ruas em busca de abrigo.

A Força Aérea Ucraniana disse ter interceptado dois mísseis balísticos lançados da Crimeia, mas destroços em queda destruíram um ginásio universitário. “Felizmente, não havia ninguém dentro porque estava fechado”, disse o prefeito Vitali Klitschko de Kiev ao visitar o local do ataque.

Perto dali, investigadores estavam ocupados coletando e marcando destroços de mísseis para analisar e determinar exatamente que tipo de arma foi usada. Como os mísseis atingiram Kiev rapidamente após o alarme soar, especula-se que a Rússia tenha usado um de seus poderosos mísseis hipersônicos, que voam a várias vezes a velocidade do som.

Tudo o que restou do prédio universitário atingido foi uma enorme pilha de tijolos, estruturas metálicas retorcidas e lajes de concreto quebradas. Carros próximos estavam cobertos por uma espessa camada de poeira e os moradores locais observavam enquanto socorristas e bombeiros removiam os escombros, ainda chocados com o que havia acontecido.

“Uma coluna de fumaça e poeira subiu, apenas como em uma névoa. Então, sirenes, veículos de resgate, serviços de emergência”, disse Evelina Korzhova, 30 anos, em sua floricultura, que ficava de frente para o prédio destruído. A janela de vidro da loja tinha sido estilhaçada pela explosão.

Em seu discurso da noite de domingo, o presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia disse que, na semana passada, a Rússia lançou cerca de 190 mísseis, 140 drones de ataque e 700 bombas aéreas contra a Ucrânia.

Oleksandra Mykolyshyn, Paul Sonne e Daria Mitiuk contribuíram com a reportagem.

Comentários

Patrocinado